Prestes a completar 38 anos de idade, o 25 de Abril, depois de uma infância feliz e uma adolescência intensa, depois de terminar um curso numa universidade pública e de ter entrado no mercado de trabalho...
Prestes a completar 38 anos de idade, o 25 de Abril, depois de uma infância feliz e uma adolescência intensa, depois de terminar um curso numa universidade pública e de ter entrado no mercado de trabalho - primeiro como estagiário, depois com contracto a prazo -, depois de se ter apaixonado, casado e parido, depois de se ter emancipado e comprado casa, depois de se ter endividado e ter acreditado que teria melhor qualidade de vida que os seus pais, hoje está desempregado e divorciado, tem custódia conjunta da criança, dívidas à Segurança Social, mestrado acabado e doutoramento incompleto, pensa sair do País onde sempre viveu e arriscar fortuna em Luanda, Madrid ou Rio de Janeiro.
Mas enquanto pensa e repensa no que fazer à vida, agora interrompida, regressou envergonhado à cama de solteiro que mantém em casa dos pais, onde prepara os CV, navega na net e ajuda nas tarefas domésticas. Amanhã vai sair à rua e descer a Liberdade. Não sabe se será alvo da "tolerância zero" prometida pela nova PIDE, e se regressará a casa - a casa dos seus país - com novas feridas para sarar. Mas não se importa. Importa-lhe estar com as novas e velhas gerações, indignar-se com o estado de precariedade geral do seu País, exigir mais a quem o governa e representa, e partilhar o feriado de amanhã - enquanto houver feriado amanhã.
Quer chegar ao Marquês via Parque Eduardo VII, deparar-se com a esperada massa humana com a vista privilegiada do topo da colina do monarca inglês, resguardado pela bandeira da Pátria e pelo fálico símbolo da revolução. Aquele que nos remete para todos os símbolos másculos da nossa revolução e que simboliza - como conceito - a pujança e vigor de um povo unido em busca do seu futuro.
Depois quer descer a Avenida, baptizada de Liberdade, mergulhar incógnito na multidão anónima e diluir-se na tranquilidade expressiva de quem se congrega em torno da partilha de uma memória emancipadora. Esquecer-se do fado triste diariamente tatuado no seu pardo quotidiano, da melancólica sina que hoje partilha com quem consigo marcha, esquecer-se da falta de futuro que consome a sua geração, das ‘troikas' domésticas e importadas, do País permanentemente incumprido e adiado. E recordar-se de todos sonhos que Abril lhe possibilitou quando foi fecundado por um povo revoltado e motivado, ansioso de esperança e de operar a transformação de uma nação submissa e submersa por 48 anos de ditadura estéril numa sociedade tolerante, equitativa e progressista.
Mas talvez uma fertilização insuficientemente feminina tenha adiado a conclusão de uma gravidez que há quase quatro décadas matura na sociedade portuguesa, que acumula transformações que injectam a percepção de mudança e progresso mas mantém o privilégio oligárquico construído na transição e na estabilização democrática. Não é esse o Abril que queremos parir. Talvez melhor esperar, arriscar a fortuna em Luanda, Madrid ou Rio de Janeiro, mas também Lisboa, Porto ou Bragança. Não desistir. Descer a Avenida a cada ano, antes que se pense em transitar o feriado para Novembro...
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